sábado, 28 de janeiro de 2012

SOBRE A CRESCENTE MEDICALIZAÇÃO DA VIDA



Recentemente o jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre o boletim técnico elaborado pela ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Saniária), que aponta com detalhes que os medicamentos mais vendidos no Brasil fazem parte do grupo de remédios de venda controlada, tais como os ansiolíticos e antidepressivos. A crescente medicalização do povo brasileiro denuncia o fato de que as questões de ordem emocional são tratadas pelos médicos como se fossem de ordem biológica.


O imperativo capitalista “seja feliz a qualquer custo” impregnou a sociedade brasileira, causando um efeito devastador de conseqüências inimagináveis. Por certo, em uma sociedade onde se tem que produzir sempre e de forma rápida, não sobra tempo para elaborar as experiências da vida, tais como o luto, a dor e a angústia. Não há tempo para a tristeza. Ser triste, ou estar triste está fora de moda e incomoda as pessoas à volta.

Por outro lado, verifica-se que a vida se tornou pesada para muitos, por isso é preciso fugir da dura realidade. Muitas pessoas só dormem porque engolem uma pílula e só se levantam se engolirem outra. Ao invés de procurar tornar a vida algo possível, preferem não senti-la, não vivê-la.

Quando foi que o Rivotril se tornou um objeto indispensável na maioria das bolsas das mulheres? Um certo dia ouvi uma pessoa dizer: “Eu não saio de casa sem meu Rivotril!” Como chegamos a esse ponto?

Freud já previra no artigo “O mal estar na cultura” que a busca pela felicidade levaria o homem por tais caminhos. O homem transformou-se em uma máquina, que usa medicamentos para funcionar no tempo e ritmo certo.

O estranho é que as pessoas acham perfeitamente normal viver à custa de pílulas. O consumo de drogas lícitas superou o uso das drogas ilícitas. Vivemos um tempo onde acredita-se que é possível viver sem tristezas, sem frustrações. No entanto, tais experiências pertencem ao humano e fazem parte da existencia. Viver é perigoso, por isso é preciso ter coragem. Coragem para dizer não, para mudar a direção, para vivenciar e elaborar o que é humano. Coragem para entrar em contato com suas próprias verdades e para encará-las de frente, sem medo de sofrer, pois o sofrimento também faz parte da vida.

Dessa forma talvez possamos cantar como Gonzaguinha:

“É a vida! É bonita e é bonita!
Viver e não ter a vergonha de ser feliz,
cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...”

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O INCONSCIENTE ESTRUTURADO COMO LINGUAGEM

Freud, no artigo O Ego e o Id, traz algumas questões interessantes que vão de encontro às formulações lacanianas a respeito do inconsciente. Nesse artigo Freud faz uma colocaçao muito interessante que gostaríamos de destacar:


"A verdadeira diferença entre uma idéia inconsciente e uma idéia pré-consciente (um pensamento) consiste em que o material da primeira permanece oculto, ao passo que a segunda se mostra envolta com representações verbais....Estas representações verbais são restos mnêmicos." (FREUD, 1923 p.33-34).

Consideramos que as representações verbais, mencionadas por Freud na citação acima, nos reportam a questão da função da linguagem e sua relação com a estrutura do inconsciente, abordada por Lacan em vários de seus artigos e seminários. Lacan, (1985 p. 27), considera que o “inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Com essa proposição Lacan coloca novamente em cena a importância da fala, tal como nos indica:

...foi preciso todo meu esforço para revalorizar aos olhos deles esse instrumento, a fala – para lhe devolver sua dignidade, e fazer com que ela não seja sempre, para eles, essas palavras desvalorizadas de antemão que os forçavam a fixar os olhos em outra parte, para lhes encontrar um fiador. (LACAN, 1985 p. 26).

Lacan considera que o inconsciente obedece às leis da linguagem, por isso coloca a fala como o instrumento por onde podemos verificar as manifestações do inconsciente, através dos atos falhos, chistes, relato dos sonhos e sintomas. Propõe que é a lingüística - cujo modelo é o jogo combinatório - que confere ao inconsciente um estatuto, podendo este ser qualificável, acessível e objetivável. (Lacan, 1985 p. 28).

Em seu célebre artigo “A instância da letra no inconsciente ou razão desde Freud” Lacan (1998, p. 498) afirma que “é toda a estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no inconsciente”, estrutura esta que preexiste ao sujeito, que dela se apropria e toma de empréstimo o suporte material para dirigir-se ao outro, através do discurso.

Ainda nesse artigo Lacan menciona uma “distinção primordial”, proposta pelo lingüista Ferdinand de Saussure, entre o significante e o significado que nos permite o estudo das ligações próprias do significante. Lacan, (1999), em O Seminário – livro cinco – As formações do Inconsciente, preconiza a existência de uma cadeia de significantes que podem ser representados por uma série de anéis que se prendem uns aos outros e que portam duas dimensões, a primeira chamada de combinação, continuidade e concatenação da cadeia e outra que se liga a substituição cuja possibilidade está sempre presente em cada elemento da cadeia. A dimensão da substituição traz em si todas as possibilidades inerentes ao recurso criador, ou seja, à metáfora. É através da possibilidade de substituição que se pode ter acesso, como afirma Lacan, ao mundo do sentido:


...é por intermédio da metáfora, pelo jogo da substituição de um significante por outro num lugar determinado, que se cria a possibilidade não apenas de desenvolvimentos do significante, mas também de surgimento de sentidos novos, que vêm sempre contribuir para aprimorar, complicar, aprofundar, dar sentido de profundidade àquilo que, no real, não passa de pura opacidade. (LACAN, 1999 p. 35).

Lacan nos orienta que a produção de metáforas não está relacionada apenas às questões da língua, mas também, à evolução do sentido e principalmente em relação à forma como ele enriquece nossa vida. Podemos dizer que é na cadeia significante que o sentido insiste, pois neste deslizamento, sempre em ação no discurso, o significante incide no significado em duas vertentes: a metáfora e a metonímia.

REFERENCIAS
 
FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago. 2006. Originalmente publicado em 1923.
LACAN, Jacques. A instância da Letra no inconsciente ou razão desde Freud in Escritos. Rio de Janeiro: Zahar. 1998.
LACAN, Jacques. O Seminário – livro cinco – As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar. 1999.
LACAN, Jacques. O Seminário – livro onze – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar. 1985.