terça-feira, 9 de agosto de 2011

LACAN E OS ANALISTAS PÓS-FREUDIANOS

O percurso de Lacan foi marcado por um constante questionamento a respeito dos desvios éticos cometidos pelos analistas pós-freudianos, especialmente diante das questões suscitadas na clínica em relação à transferência e ao seu manejo. Desde os seus primeiros discursos, torna-se evidente o empenho de Lacan em sistematizar a teoria psicanalítica, diferenciando-a da psicologia do ego, tão difundida pela psicanálise inglesa e americana. Estas Escolas apropriaram-se de determinados textos freudianos, tais como, o Ego e o Id (Freud, 1923-1925) e desvirtuaram seu verdadeiro sentido, criando uma psicologia voltada para o fortalecimento do ego. Desta forma, distanciaram-se da proposta original de Freud ao colocarem em segundo plano a análise do inconsciente.

No texto “Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956”, Lacan (1998 ps.465-466) numa crítica à psicanálise inglesa e americana, denuncia que estes analistas “embrenharam-se cada vez mais na relação dual” com seus analisandos, onde a dimensão imaginária da relação analítica passa a favorecer a todo tipo de “devaneios psicológicos”, tais como: “o esgotamento das fantasias, a liberação da agressividade, a identificação com o eu forte do analista”, dentre outras. A finalidade da análise passou a ser a identificação do analisando com o eu do analista.

Ainda nesse artigo, Lacan retoma o texto freudiano “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”, chamando a atenção dos psicanalistas para a regra analítica fundamental colocada ao paciente, de nada omitir durante o tratamento e sua contrapartida — a chamada — atenção flutuante. Lacan sublinha o que deve ser priorizado em uma análise: o discurso do sujeito e sua escuta, colocando em destaque o uso da linguagem. O quê o analista deve escutar? Os “(...) sons ou fonemas, das palavras, das locuções e frases, sem omitir as pausas, escansões, cortes, períodos e paralelismos, pois é aí que se prepara a literalidade da versão sem a qual a intuição analítica fica sem apoio e sem objeto”. (Lacan, 1998 p. 474).

O discurso deve ser a matéria com que trabalha o analista. O que Lacan enfatiza nesse artigo é a primazia da determinação simbólica, ao mesmo tempo em que circunscreve a direção do tratamento analítico centrado na escuta dos significantes que se presentificam no discurso do sujeito.

Em 1958 com o texto “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, Lacan faz uma crítica à psicanálise inglesa e americana, ressaltando seu distanciamento da técnica analítica, tal como aquela proposta por Freud, ao fazerem uso da sugestão no tratamento analítico. Aponta ainda os desvios a que a psicanálise se submeteu ao empenhar-se numa “reeducação emocional”, aos “princípios de um adestramento do chamado Eu fraco, e por um Eu o qual a quem goste de considerar capaz nesse projeto, porque é forte”. (Lacan, 1958 p. 594). De modo contrário ao que Freud propõe em seus escritos técnicos, a experiência analítica transformou-se “num manejo da relação analista-analisado” onde a sugestão, a compreensão, as identificações e o ser do analista são oferecidos como forma de satisfazer a demanda de amor do analisando.Lacan afirma que, foi em torno da noção de Ego que giraram todos os desvios a que a psicanálise pós-freudiana se prestou. (Lacan, 1986 p.25).

Lacan levanta questões fundamentais para se pensar em que moldes deve acontecer a transmissão da psicanálise e a formação dos analistas. Como ocupar um lugar deixado vago por Freud, ou seja, o lugar de analista? Cottet, (1989 p.17) coloca que “essa experiência não encontra sua razão de ser em outro lugar senão no desejo do próprio Freud que a inventou”. É por esta via, a via do desejo de Freud que Lacan propõe que sigamos ao designar o termo desejo do analista, como um ponto de partida para repensar a formação dos analistas e a transmissão da causa freudiana. Lacan coloca o ser do analista em jogo quando afirma que “não é impossível, graças a Deus, que, por mais que apresente uma ótima disposição para ser analista, ele sinta, desde suas primeiras relações com o doente, uma certa angústia”.(Lacan, 1962-63 p.13).

Referências:
 
COTTET, Serge. Freud e o desejo do psicanalista. Rio de Janeiro: J. Zahar. 1989.
LACAN, Jacques. Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956 in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
LACAN, Jacques. Do “trieb” de Freud e do desejo do psicanalista in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1995.
LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder in Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.