“Mas, quando o analista inicia a sua prática, não é impossível, graças a Deus, que, por mais que apresente uma ótima para ser analista, ele sinta, desde suas primeiras relações com o doente no divã, uma certa angústia.” (LACAN, J. 1962-1963 p.13).
Primeiramente devemos pontuar que o desejo do analista difere do desejo inconsciente. O desejo inconsciente é indestrutível e se relaciona as marcas deixadas pela historia do sujeito, diz respeito a aquilo que foi recalcado, e que retorna através dos sonhos, atos falhos, chistes e sintomas. O desejo do analista é uma função que se constitui a partir da análise do próprio analista, de sua experiência com o inconsciente em sua própria análise. Esse desejo é sem objeto, por que não visa a nenhuma satisfação pessoal ou narcísica. È uma função que faz funcionar o trabalho analítico.
Ocupar essa função produz angústia no analista em formação e, especialmente, no início da experiência na clínica. O trabalho na supervisão da clínica psicanalítica — juntamente com a experiência de analise pessoal — visa auxiliar o iniciante nessa experiência de encontro com a angústia aprendendo assim a nodulá-la para que o desejo do analista, que em última instancia é o desejo de que a análise do inconsciente ocorra, possa se emergir.
Para que um tratamento psíquico seja eficaz o analista deve se privar do desejo de curar recusando-se a fazer uso da sugestão como forma de fazer calar a angústia do sujeito. Ao utilizar a sugestão como forma de tratamento o analista se liga à dinâmica da doença impedindo que o analisante se constitua a partir de seu próprio desejo. O desejo de curar se prende aos significantes do próprio analista, a sua visão de normalidade e funcionalidade. Freud (1919/2006b) em “Linhas de Progresso da Terapia Psicanalítica” faz uma advertência quanto ao desejo de curar.
Qualquer analista que, talvez pela grandeza do seu coração e por sua vontade de ajudar, estende ao paciente tudo o que um ser humano pode esperar receber de outro, comete o mesmo erro econômico de que são culpadas nossas instituições não-analíticas para pacientes nervosos. ... Ao fazê-lo, não tenta dar-lhes mais força para enfrentar a vida e mais capacidade para levar a cabo a suas verdadeiras incumbências nela. (Freud 1919/2006 p. 177).
O desejo do analista, em primeiro lugar deve ser sustentado no próprio desejo do criador da psicanálise. O desejo de Freud de ir além de seu próprio saber, de construir um saber a partir da escuta analítica é que deve estar presente no desejo do analista, possibilitando um avanço em direção à causa primeva do sintoma e a travessia da fantasia. O desejo de saber do analista é que vai sustentar a experiência psicanalítica, possibilitando que o sujeito possa falar livremente, fazendo emergir esse não saber, ou seja, o desejo inconsciente. (Do lado do analisante faz parte do trabalho analítico, a resistência que se estabelece pelo não querer saber.)
Entretanto para ocupar esse lugar de objeto de desejo (objeto a), o analista deve percorrer um caminho em sua própria análise pessoal que possibilite essa capacidade de escuta que é diferente de compreender.
Freud (1912/2006c), em seu artigo “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”, coloca que existe uma comunicação de inconscientes fazendo, inclusive, uma analogia bastante interessante.
"(...) ele (o analista) deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente. Deve ajustar-se ao paciente como um receptor telefônico se ajusta ao microfone transmissor o inconsciente do analista é capaz, a partir dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados, de reconstruir esse inconsciente, que determinou as associações livres do paciente" (Freud, 1912/2006, p. 129 - grifo nosso).
Nesse artigo anuncia que o analista estabelece uma comunicação com analisante a nível do inconsciente ao utilizar-se da posição de escutar com disposição, todo o material que o paciente lhe traz, traduzindo-o para o analisante no momento adequado. O psicanalista ao escutar a narração de seu paciente deve estar atento ao desejo (inconsciente) que está sendo enunciado.
A capacidade de escuta do analista está, pois ligada à sua própria trajetória na análise. Lacan coloca que a análise do analista é que vai capacitá-lo a suportar a transferência do analisante, das demandas endereçadas a este sem se enrascar com sua própria (contra) transferência, que para Lacan é a expressão das resistências por parte do analista. Através do processo de análise pessoal o analista poderá discernir aquilo que é propriamente seu e o que pertence ao discurso do analisante, evitando confundir suas projeções com aquilo que simboliza da fala do paciente.
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